*Valério Bomfim
“Na comunidade humana não existem raças, todos sabemos. Mas o racismo existe, sabemos também” ( Treze de maio, o resgate, por Nei Lopes, - revista de história da Biblioteca Nacional)
Deixamos para escrever sobre o 13 de maio depois, por entender que naquele dia não há o que se comemorar, ao contrário de outros dirigentes de movimentos negros em todo o país e em especial em Ilhéus, minha cidade, vejo o dia como um dia de Luto e de luta contra o racismo e as desigualdades sociais impostas a maioria da população brasileira, em especial os negros, ainda chamados de pretos e “pardos”( a meu ver, uma outra forma de discriminação, pois pardo é passarinho sem raça – pardal – e papel barato) A “Lei nº 3353 de 13 de Maio de 1888, abolição da escravatura” só tem um único artigo: “Declara extincta a escravidão no Brasil", o estatuto da Igualdade Racial, a dez anos no congresso nacional, é a continuação desta lei, o artigo segundo, terceiro… a parte que esqueceram de escrever, ou publicar, a parte dos direitos, das compensações. “No Brasil o racismo atinge principalmente a nós, pretos e mulatos, ou seja, aos negros. somos os mais pobres exatamente porque somos negros”. “Essa condição ainda é conseqüência do histórico “13 de maio”, quando a escravidão foi abolida sem nenhum projeto de beneficio social para os emancipados”. Fomos jogados porta afora das senzalas, a mercê da própria sorte, sem qualquer tipo de direito ou garantia, descalços, desnudos, com fome. Fome de direitos, fundamentais a existência humana em sociedade.
Hoje, 120 anos depois, ainda temos muita fome. Fome de saúde, educação, trabalho, moradia, respeito, reconhecimento à nossa cultura, lazer, participação nos “lucros” advindos do suor e sangue dos nossos ancestrais africanos “escravizados”, sim. Dizer que foram escravos é um erro, pois nunca se entregaram a ela, a escravidão, e não chegaram aqui nesta condição, muito ao contrário, lutaram com todas as armas e com tudo que tinham e acreditavam, principalmente a religião e a fé, para que pudessem um dia retornar a “TERRA MÃE” e ver seus direitos e de seus descendentes respeitados, conseguiram, em parte, com a manutenção da cultura e da religiosidade de nossos ancestrais intactos, nas senzalas, nos quilombos e nos terreiros de candomblé, pudemos vivenciar nossa terra ancestral e ajudar a construir uma nova nação, a nação brasileira.
Hoje, para reparar os mais de trezentos anos de exclusão e de “fomes”, lutamos pela adoção das chamadas “ações afirmativas”, dentre elas as políticas de “cotas”.
Alguns dizem que seria também discriminação, sim, mas discriminação positiva, onde o objetivo é incluir e não o contrário. A turma do contra às ações afirmativas, hoje tão discutidas, dizem que elas são inconstitucionais pois feriria o princípio da igualdade expresso no art. 206 da Constituição Federal. Usam também o art. 207. para dizer que estaríamos ferindo a autonomia das universidades.
Esquecem, ou fazem de conta, de obrservar que, na elaboração de uma lei, um dos elementos principais a serem considerados é o aspecto social. As leis são feitas para organizar as condições de vida das pessoas dentro da sociedade e tornar possível a boa convivência. As prerrogativas legais concedidas às pessoas devem ser exercidas não apenas em proveito próprio mas também levando-se em conta os interesses sociais. Assim, o estudante bem formado tem todo o direito de ocupar sua vaga na melhor universidade, desde que essa ocupação não represente a exclusão de milhares de outros que não tiveram oportunidade de se formar bem. E o princípio de ação afirmativa contido na política de cotas para negros nas universidades, o que visa é corrigir uma desigualdade mais do que comprovada. Dados do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, divulgados esta semana mostram que: Se continuarmos com as políticas de ações afirmativas e o sistema de cotas, somente em 32 anos teremos igualdade de salário. Ora está mais do que provado que apesar de nossa Constituição proclamar que os direitos devem ser iguais para todos os brasileiros, este direito não chegou ainda, para nosso povo. Então, se faz necessário dar tratamento desigual, para os desiguais, pois estes, tiveram e tem menos oportunidades de acesso a saúde, educação, moradia, trabalho etc, embora pareça inconstitucional, é uma obrigação do Estado brasileiro, em atenção ao princípio de que toda Lei deve ter um alcance social, pagar a dívida contraída com as populações negras e índias, quando lhes negou o direito fundamental do homem, a liberdade. Estas políticas estão sendo feitas e postas em prática para beneficio de toda a sociedade. Mesmo porque o que a lei condena é a discriminação e não a aceitação da diversidade. Tratamento diferenciado não é um privilégio, mas, uma tentativa de diminuir a enorme desigualdade social que exclui o povo negro e indio, concedendo a estes povos, finalmente, direitos que sempre lhe foram usurpados pelas várias formas de racismo sob a quais sempre se escondeu a utópica “democracia racial” brasileira. Democracia racial é criar políticas de ação afirmativa em beneficio dos povos negros e índios, pois criamos oportunidades de acesso à completa cidadania, começando pela educação, levando em conta a diversidade étnica de toda a população. Não defendemos institucionalizar essas cotas, naturalmente elas serão “abolidas” quando seus objetivos forem totalmente atingidos. Não basta cotas, vejamos um exemplo: Entre as melhores universidades públicas brasileiras, apenas a Universidade Federal de Goiânia tem em seu corpo docente mais de 1,2% de professores negros . A Universidade Estadual do Rio de Janeiro, UERJ, que aliás foi a primeira a instituir o sistema de cotas em seu vestibular, tem apenas 0,21% de negros entre seus 2.300 professores. “A erradicação do racismo no Brasil, então, pressupõe melhorar a educação em todos os níveis. E, além da educação, melhorar a saúde, as oportunidades de emprego, as condições de moradia, transporte...”. Por este prisma, o ingresso de alunos negros e índios e futuros professores nas universidades através do sistema de cotas é o principal resgate da dívida que a sociedade brasileira contraiu com o povo negro há exatos 120 anos.
P.S. Leiam texto “A cor da cultura”, de Nei Lopes, na pág. 22 do nº 32 (maio 2008) da Revista de História da Biblioteca Nacional.
* Professor, presidente da Associação dos Povos de Terreiro; militante do movimento negro e graduando em jornalismo.
“Na comunidade humana não existem raças, todos sabemos. Mas o racismo existe, sabemos também” ( Treze de maio, o resgate, por Nei Lopes, - revista de história da Biblioteca Nacional)
Deixamos para escrever sobre o 13 de maio depois, por entender que naquele dia não há o que se comemorar, ao contrário de outros dirigentes de movimentos negros em todo o país e em especial em Ilhéus, minha cidade, vejo o dia como um dia de Luto e de luta contra o racismo e as desigualdades sociais impostas a maioria da população brasileira, em especial os negros, ainda chamados de pretos e “pardos”( a meu ver, uma outra forma de discriminação, pois pardo é passarinho sem raça – pardal – e papel barato) A “Lei nº 3353 de 13 de Maio de 1888, abolição da escravatura” só tem um único artigo: “Declara extincta a escravidão no Brasil", o estatuto da Igualdade Racial, a dez anos no congresso nacional, é a continuação desta lei, o artigo segundo, terceiro… a parte que esqueceram de escrever, ou publicar, a parte dos direitos, das compensações. “No Brasil o racismo atinge principalmente a nós, pretos e mulatos, ou seja, aos negros. somos os mais pobres exatamente porque somos negros”. “Essa condição ainda é conseqüência do histórico “13 de maio”, quando a escravidão foi abolida sem nenhum projeto de beneficio social para os emancipados”. Fomos jogados porta afora das senzalas, a mercê da própria sorte, sem qualquer tipo de direito ou garantia, descalços, desnudos, com fome. Fome de direitos, fundamentais a existência humana em sociedade.
Hoje, 120 anos depois, ainda temos muita fome. Fome de saúde, educação, trabalho, moradia, respeito, reconhecimento à nossa cultura, lazer, participação nos “lucros” advindos do suor e sangue dos nossos ancestrais africanos “escravizados”, sim. Dizer que foram escravos é um erro, pois nunca se entregaram a ela, a escravidão, e não chegaram aqui nesta condição, muito ao contrário, lutaram com todas as armas e com tudo que tinham e acreditavam, principalmente a religião e a fé, para que pudessem um dia retornar a “TERRA MÃE” e ver seus direitos e de seus descendentes respeitados, conseguiram, em parte, com a manutenção da cultura e da religiosidade de nossos ancestrais intactos, nas senzalas, nos quilombos e nos terreiros de candomblé, pudemos vivenciar nossa terra ancestral e ajudar a construir uma nova nação, a nação brasileira.
Hoje, para reparar os mais de trezentos anos de exclusão e de “fomes”, lutamos pela adoção das chamadas “ações afirmativas”, dentre elas as políticas de “cotas”.
Alguns dizem que seria também discriminação, sim, mas discriminação positiva, onde o objetivo é incluir e não o contrário. A turma do contra às ações afirmativas, hoje tão discutidas, dizem que elas são inconstitucionais pois feriria o princípio da igualdade expresso no art. 206 da Constituição Federal. Usam também o art. 207. para dizer que estaríamos ferindo a autonomia das universidades.
Esquecem, ou fazem de conta, de obrservar que, na elaboração de uma lei, um dos elementos principais a serem considerados é o aspecto social. As leis são feitas para organizar as condições de vida das pessoas dentro da sociedade e tornar possível a boa convivência. As prerrogativas legais concedidas às pessoas devem ser exercidas não apenas em proveito próprio mas também levando-se em conta os interesses sociais. Assim, o estudante bem formado tem todo o direito de ocupar sua vaga na melhor universidade, desde que essa ocupação não represente a exclusão de milhares de outros que não tiveram oportunidade de se formar bem. E o princípio de ação afirmativa contido na política de cotas para negros nas universidades, o que visa é corrigir uma desigualdade mais do que comprovada. Dados do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, divulgados esta semana mostram que: Se continuarmos com as políticas de ações afirmativas e o sistema de cotas, somente em 32 anos teremos igualdade de salário. Ora está mais do que provado que apesar de nossa Constituição proclamar que os direitos devem ser iguais para todos os brasileiros, este direito não chegou ainda, para nosso povo. Então, se faz necessário dar tratamento desigual, para os desiguais, pois estes, tiveram e tem menos oportunidades de acesso a saúde, educação, moradia, trabalho etc, embora pareça inconstitucional, é uma obrigação do Estado brasileiro, em atenção ao princípio de que toda Lei deve ter um alcance social, pagar a dívida contraída com as populações negras e índias, quando lhes negou o direito fundamental do homem, a liberdade. Estas políticas estão sendo feitas e postas em prática para beneficio de toda a sociedade. Mesmo porque o que a lei condena é a discriminação e não a aceitação da diversidade. Tratamento diferenciado não é um privilégio, mas, uma tentativa de diminuir a enorme desigualdade social que exclui o povo negro e indio, concedendo a estes povos, finalmente, direitos que sempre lhe foram usurpados pelas várias formas de racismo sob a quais sempre se escondeu a utópica “democracia racial” brasileira. Democracia racial é criar políticas de ação afirmativa em beneficio dos povos negros e índios, pois criamos oportunidades de acesso à completa cidadania, começando pela educação, levando em conta a diversidade étnica de toda a população. Não defendemos institucionalizar essas cotas, naturalmente elas serão “abolidas” quando seus objetivos forem totalmente atingidos. Não basta cotas, vejamos um exemplo: Entre as melhores universidades públicas brasileiras, apenas a Universidade Federal de Goiânia tem em seu corpo docente mais de 1,2% de professores negros . A Universidade Estadual do Rio de Janeiro, UERJ, que aliás foi a primeira a instituir o sistema de cotas em seu vestibular, tem apenas 0,21% de negros entre seus 2.300 professores. “A erradicação do racismo no Brasil, então, pressupõe melhorar a educação em todos os níveis. E, além da educação, melhorar a saúde, as oportunidades de emprego, as condições de moradia, transporte...”. Por este prisma, o ingresso de alunos negros e índios e futuros professores nas universidades através do sistema de cotas é o principal resgate da dívida que a sociedade brasileira contraiu com o povo negro há exatos 120 anos.
P.S. Leiam texto “A cor da cultura”, de Nei Lopes, na pág. 22 do nº 32 (maio 2008) da Revista de História da Biblioteca Nacional.
* Professor, presidente da Associação dos Povos de Terreiro; militante do movimento negro e graduando em jornalismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário